A Guilda dos Melancólicos

Blog eclético, hermético e patético

quinta-feira, março 29, 2007

A arte (ou o defeito) de não papar comerciais

Sempre fui um osso duro de roer para as campanhas comerciais. Por muitos motivos: sou teso; moderadamente consumista e moderadamente materialista. Mas há mais. Para começar sou preguiçoso. O tipo de gajo que não adere a uma tarifa fantástica de telemóvel pura e simplesmente porque nem se dá ao trabalho de um estudo comparativo de tarifários. Finalmente, nunca fui muito avant garde em quase nada da minha vida e isso drasticamente se reflecte na lentidão com que me possam convencer que o produto x me faz falta.
Mas há uma característica mais amadurecida e refinada que tenho que me torna (ainda) um osso mais duro de roer para as vendas. Analiso as pessoas, sempre, compulsivamente. A cada atitude, lá estou eu a indagar-me da justeza e da motivação das atitudes do meu interlocutor. E das minhas atitudes, e dos meus pensamentos. Ser emocional é fantástico: deixarmo-nos ir, não racionalizar. Mas claro, pode trazer presentes envenenados: tornar-nos escravos da manipulação dos outros: cenouras à frente do nariz, escolha alheia do rol dos nossos sonhos, amargura de perda daquilo que nem sabemos que não quereriamos realmente se pensassemos bem.
Vender é tantas vezes isso: criar no outro a ilusão de que o que temos para vender lhe faz falta. Ao ponto de no outro passar a ser obsessão esse objectivo. Comprar.
Eu, pelo menos em alguma medida, desmistifico o sonho e apercebo-me que aquela coisa fantástica que me vendem, e que por vezes nos meus sonhos eu compro, seria uma bengala para a minha felicidade coxa, mas que na realidade não tornaria uma perna tão comprida como a outra. Se quero que a minha felicidade corra de nuvem em nuvem, não é de todo o fato Boss, a maquina de café XPTO e o carro descapotável que me salvarão. Embora reconheça que a ilusão me salvaria um pouco mais...
Acho que é por isso que tenho pouca paciência para comerciais. Quando conhecemos os truques de magia, o mágico parece-nos um charlatão. E acho que é por isso que nunca quis ser eu próprio um: odiaria vestir a pele a tal lobo.
E depois há outra coisa: as estratégias de venda. Há mil estratégias de venda e eu sei que não saberei sequer da missa a metade mas...
Recentemente esbarrei-me com um caso concreto. Alguém, detalhes não interessam, ofereceu-me determinado projecto comercial. Ou seja, estavam-me no fundo a vender a ideia de eu próprio ser vendedor. E para a coisa ser mais complexa, estavam-me a vender a ideia de eu por minha vez vender a quem também quisesse vender.
A ideia interessou-me. Achei o produto credível, ao ponto do Rui, o velho do Restelo do consumismo, achar que acreditava nele o suficiente para o poder vender. E isso é que é engraçado, o paradoxo de o produto ser honesto mas a sua venda, lá iremos, nem tanto.
A primeira coisa que decidi fazer foi testar-me tentando vender tal conceito aos meus mais intimos. Perceber quem era eu com um carimbo de "Comercial" na testa.
E percebi muita coisa e muitas diferenças...
Nunca menti, nunca manipulei, para lá da sedução mínima de quem constroi uma argumentação. Falei de prós, de contras, desmistifiquei os contos de fadas que me tinham vendido - deles falarei adiante, servindo-os desmanchados para que se percebesse o trigo do joio, não pressionei ninguém, não fiz discursos emotivos. E sobretudo, aqui reside a minha maior verdade, nunca neguei que estava a vender.
Por outro lado, o vendedor acima de mim na cadeia alimentar tentou os truques todos: vais ficar rico se fizeres, vais ser um falhado se não fizeres, quem muito pensa pouco faz, aposto que não consegues fazer, nem sei como viveste até hoje sem fazer, só é feliz quem fizer. Tu não és feliz. E sobretudo, a maior mentira de todas: eu não estou a vender." Mensagens subliminares? Deseja, deseja absolutamente, teme, teme muito, não penses, sobretudo nunca penses. Nem tenhas noção de que te estou a manipular. Aliás farás coisas só para me contrariar, sem sonhar sequer que fazes o que eu quero ao sabor da psicologia invertida. Espelhos e fumo, eis tudo o que temos...
A pequena vingança foi explicar os truques ao mágico e viver a glória do seu sorriso envergonhado.
É inegável.
Odeio comerciais.

2 Comments:

Blogger Unknown said...

"Ser emocional é fantástico: deixarmo-nos ir, não racionalizar. Mas claro, pode trazer presentes envenenados: tornar-nos escravos da manipulação dos outros: cenouras à frente do nariz, escolha alheia do rol dos nossos sonhos, amargura de perda daquilo que nem sabemos que não quereriamos realmente se pensassemos bem." - LOL e eu que o diga... principalmente a parte da manipulação e da amargura...
Olha que apanhas bem as imagens :P andas para ai com a câmara sempre a filmar tudo, n é miúdo? Definitivamente um psicólogo freelancer... ;)

Tb non mi gusta nada comerciais...

But, can't live with them, can't live without them... or maybe we could... hahahah :P

Bjus

5:19 da manhã  
Blogger Piro said...

Eu não posso dizer que odeio comerciais, mas entendo a tua ideia e partilho do mesom sentimento. E só não digo que os odeio, porque há uns bem girinhos lol.

7:42 da tarde  

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